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Ilegalidade no prazo para requerimento do Seguro-Desemprego

  • Foto do escritor: Carlos Henrique S. Panhan
    Carlos Henrique S. Panhan
  • 24 de mai. de 2019
  • 9 min de leitura

Atualizado: 15 de abr. de 2020



O Seguro-Desemprego que auxilia trabalhadores dispensados sem justa causa, por meio de uma prestação pecuniária, conferida sete dias a rescisão do contrato de trabalho.


A premissa do benefício é, primeiramente, garantir amparo ao trabalhador e sua família, até que ele consiga se reentrar no mercado de trabalho; mas também visa, em momentos de recessão e/ou crise, que haja uma desaceleração econômica ainda mais brusca, devido à diminuição do consumo. Ou seja, a medida é de proteção social e coletiva.


A origem do benefício remonta aos fundos de ajuda mútua para o desempregado criados no início do século XX. Esses sistemas administrados pelos sindicatos e financiados pela contribuição sindical, não eram tão expressivos e tinham uma cobertura pequena. A prestação de assistência por parte do poder estatal foi inicialmente adota na Bélgica, em 1901 e posteriormente na França, Noruega e Dinamarca, em 1905, 1906 e 1907, respectivamente[1].


No Brasil, o benefício somente foi implementado em 1986, como um dos programas sociais do Plano Cruzado, durante o governo do presidente José Sarney.

Inicialmente previsto pelo Decreto-Lei n. 2.283, de 27 de fevereiro de 1986, o benefício foi, de fato, implementado pelo art. 25 do Decreto-Lei n. 2.284, de 10 de março de 1986, que revogou o decreto anterior, alterando algumas das suas disposições. Sua regulamentação se deu pelo Decreto nº 92.608, de 30 de abril de 1986.


Com o advento da Assembleia Nacional Constituinte de 1987, o Seguro-Desemprego passou a ter previsão de ordem constitucional, insculpida no artigo 7º, inciso II da Constituição Federal de 1988, consagrando o direito à proteção social do trabalhador em situação de desemprego involuntário.


Em 11 de janeiro de 1990, foi publicada a Lei n 7.998, que, dentre outros, regulou a concessão do Seguro-Desemprego previsto no art. 7º da Constituição e instituiu o Fundo de Amparo ao Trabalho – FAT e definindo-o como pagadora do benefício, ampliando a sua cobertura e aumentando os valores pagos[2].


A Lei 7.998, em seu art. 18, também instituiu Conselho Deliberativo do Fundo de Amparo ao Trabalhador – CODEFAT, um órgão vinculado ao Poder Executivo, cuja finalidade, entre outros, é regulamentar a concessão do benefício, conforme estabelece o art. 19 da mesma lei.


Visando atender as disposições da referida lei, foi editada pelo CODEFAT a Resolução de n. 467, de 21 de dezembro de 2005.


Ocorre que, uma das disposições da Resolução n. 467 é a seguinte:


Art. 14. os documentos de que trata o artigo anterior [CD e RSD] deverão ser encaminhados pelo trabalhador a partir do 7º (sétimo) e até o 120º (centésimo vigésimo) dias subseqüentes à data da sua dispensa ao Ministério do Trabalho e Emprego por intermédio dos postos credenciados das suas Delegacias, do Sistema Nacional de Emprego - SINE e Entidades Parceiras.

Ou seja, os trabalhadores que não requerem o benefício em até 120 dias após a rescisão do contrato, não poderá se habilitar recebimento do Seguro-Desemprego.


Entretanto, o artigo 6º da Lei n. 7.998 determina que tão somente que “o seguro-desemprego é direito pessoal e intransferível do trabalhador, podendo ser requerido a partir do sétimo dia subseqüente à rescisão do contrato de trabalho”.


Como se infere, a lei não impõe um prazo limite para requerimento do benefício. Nota-se, portanto, que a despeito do que garante a Constituição e a Lei n. 7.998, a Resolução n. 467 – que é uma norma infralegal - instituiu um prazo decadencial para o recebimento de um benefício previsto em lei.


É cediço que o Poder Executivo, no cumprimento de suas atribuições, por meio de seus entes e órgãos, tanto da administração direta, quanto indireta, pode editar normas regulamentadoras, através de resoluções, portarias e decretos, por exemplo.


Estes atos têm do Executivo tem o mesmo poder de vinculação que as normas editadas pelo Poder Legislativo. Todavia, é importante se observar a origem e a matéria sobre a qual versa as disposições destes atos normativos do Poder Executivo.


Como regra, tendo em vista a função de ente administrador, os atos do Poder Executivo derivam de previsão legal – uma lei (ato Legislativo) prevê a sua criação, e têm um caráter regulamentador, não tendo o condão de poder de gerar direitos ou impor obrigações.


Numa análise mais minuciosa sobre as disposições da Lei. n 7.998, verifica-se que há uma extrapolação de prerrogativa na Resolução n. 467. Senão vejamos:


O artigo 19 da Lei 7.998 atribuiu-se ao CODEFAT as seguintes competências:


Art. 19. Compete ao Codefat gerir o FAT e deliberar sobre as seguintes matérias: I - (Vetado); II - aprovar e acompanhar a execução do Plano de Trabalho Anual do Programa do Seguro-Desemprego e do abono salarial e os respectivos orçamentos; III - deliberar sobre a prestação de conta e os relatórios de execução orçamentária e financeira do FAT; IV - elaborar a proposta orçamentária do FAT, bem como suas alterações; V - propor o aperfeiçoamento da legislação relativa ao seguro-desemprego e ao abono salarial e regulamentar os dispositivos desta Lei no âmbito de sua competência; VI - decidir sobre sua própria organização, elaborando seu regimento interno; VII - analisar relatórios do agente aplicador quanto à forma, prazo e natureza dos investimentos realizados; VIII - fiscalizar a administração do fundo, podendo solicitar informações sobre contratos celebrados ou em vias de celebração e quaisquer outros atos; IX - definir indexadores sucedâneos no caso de extinção ou alteração daqueles referidos nesta Lei; X - baixar instruções necessárias à devolução de parcelas do benefício do seguro-desemprego, indevidamente recebidas; XI - propor alteração das alíquotas referentes às contribuições a que alude o art. 239 da Constituição Federal, com vistas a assegurar a viabilidade econômico-financeira do FAT; XII - (Vetado); XIII - (Vetado); XIV - fixar prazos para processamento e envio ao trabalhador da requisição do benefício do seguro-desemprego, em função das possibilidades técnicas existentes, estabelecendo-se como objetivo o prazo de 30 (trinta) dias; XV - (Vetado); XIV - (Vetado); XVII - deliberar sobre outros assuntos de interesses do FAT.

Além destas, outras disposições da Lei n. 7.998 determinam que a atuação do CODEFAT seja no sentido de:


Art. 2º-C (...) § 2º Caberá ao CODEFAT, por proposta do Ministro de Estado do Trabalho e Emprego, estabelecer os procedimentos necessários ao recebimento do benefício previsto no caput deste artigo [trabalhadores resgatados em situação de trabalho análogo ao escrevo], observados os respectivos limites de comprometimento dos recursos do FAT, ficando vedado ao mesmo trabalhador o recebimento do benefício, em circunstâncias similares, nos doze meses seguintes à percepção da última parcela.
Art. 4º O benefício do seguro-desemprego será concedido ao trabalhador desempregado, por período máximo variável de 3 (três) a 5 (cinco) meses, de forma contínua ou alternada, a cada período aquisitivo, contados da data de dispensa que deu origem à última habilitação, cuja duração será definida pelo Conselho Deliberativo do Fundo de Amparo ao Trabalhador (Codefat).

Como visto, nenhuma das atribuições conferidas ao CODEFAT pela Lei n. 7.998, relaciona-se com a estipulação de prazo máximo para requerimento do Seguro-Desemprego, pelo trabalhador, o que torna as disposições no sentido, do art. 14 da Resolução n. 467, ilegais.


A ilegalidade constante no supracitado artigo, já foi objeto de uma ação civil pública movida pelo Ministério Público do Rio Grande do Sul - Ação Civil Pública n. 5009237-73.2014.404.7100/RS – cuja tese sustentada assim precedeu:


Tanto não foi intenção do legislador atribuir maior poder normativo ao CODEFAT e tanto não se trata de uma lacuna da lei que no art. 19, inciso V, da Lei 7.998/90 estabeleceu competir-lhe propor o aperfeiçoamento da legislação relativa ao seguro desemprego. Quer dizer, se entendesse necessário um prazo limite para a formalização do requerimento, o Conselho deveria propor a reforma da lei, segundo seus próprios termos, jamais se arvorar em legislador para suprir uma lacuna que, em realidade, não existe. Por este inciso é possível perceber que não há intenção na lei de conceder mais ampla função normativa ao CODEFAT.

E continua:


O fato subjacente à tese defendida pelo MPF é que o trabalhador pode ter, seja pela economia de salários anteriores ou por outros meios, amealhado recursos ou outra fonte de renda que lhe faculte, a curto prazo, a sobrevivência sem ter de lançar mão do seguro-desemprego. Porém, muitas vezes tal situação financeira do obreiro – que ainda não conseguiu retornar ao mercado de trabalho – pode se alterar abruptamente, fazendo com que, enfim, necessite dos recursos do seguro como único meio, talvez, de propiciar a manutenção sua e de sua família. A Lei, por sua vez, não exclui estes trabalhadores – que um ano, dois anos depois da demissão vieram a efetivamente necessitar do auxílio – de seu leque de proteção, não podendo fazê-lo, como visto acima, o CODEFAT e tampouco o Ministério do Trabalho com base em norma ilegal.

Pode-se ainda acrescentar à hipótese aventada pelo MP, aquela na qual o trabalhador, após a dispensa venha a trabalhar por mais de 120 dias com contratos de trabalho a termo, como por exemplo, um período de experiência seguido e um emprego temporário. Ao término de deste período, ainda que não conseguisse novo emprego, o trabalhador, de acordo com o art. 14 da Resolução 467/2005 do CODEFAT, não poderia auferir o benefício do Seguro-Desemprego.


Na mesma esteira, extrai-se da sentença da ação que julgou o pedido, o seguinte:


A Lei, sequer implicitamente, estipulou qualquer prazo para o exercício do direito. Não se depreende da Constituição, em um primeiro momento, ou da Lei, que o seguro-desemprego serve para proteger o trabalhador imediatamente após o desemprego involuntário. Como bem pondera o Ministério Público, é perfeitamente possível - e até salutar - que o cidadão tente, por seus próprios meios, reagir ao desemprego involuntário, seja sobrevivendo de economias próprias, as quais, em um primeiro momento, pode julgar suficientes, seja por meio de qualquer outra alternativa. Não podem as resoluções impor ao trabalhador a obrigação de, em no máximo quatro meses, requerer o benefício.

Neste sentido, vale frisar que ao impor um limite para requerimento do Seguro-Desemprego, estar-se-á estimulando os trabalhadores a sem pleitearem o benefício quando se virem desempregados, pois se primeiramente tentarem superar o momento desemprego por seus próprios meios, correm o risco não conseguir gozar do Seguro-Desemprego, caso isto não dê certo, o que na prática tem um efeito contrário ao que a imposição de um prazo limite visa.


Vale ainda destacar da r. sentença, o seguinte:


De qualquer maneira, considerando-se ou não suficientes os prazos, importa é que a Constituição e a Lei de regência não estabeleceram qualquer prazo. É finalidade do Programa de Seguro-Desemprego 'prover assistência financeira temporária ao trabalhador desempregado em virtude de dispensa sem justa causa, inclusive a indireta, e ao trabalhador comprovadamente resgatado de regime de trabalho forçado ou da condição análoga à de escravo'. Não se extrai deste objetivo que a assistência deve ser imediata, tão logo cesse o vínculo anterior. Reconhece-se, evidentemente, que é temporária.

E mais:


Cabe salientar que o fato de o CODEFAT possuir representação dos trabalhadores não torna, por si só, o ato normativo legal. Ainda que assim não seja, a representação dos trabalhadores é insuficiente para barrar eventual disposição contrária aos seus interesses, considerando a participação de representantes dos empregadores (em igual número) e de representantes de diversos Ministérios e do BNDES.
Da mesma forma, não se argumente que outros beneficiários seriam prejudicados acaso sejam concedidos benefícios sem observância do prazo. O custeio do FAT é feito de modo a atender todos os trabalhadores que necessitem do seguro-desemprego, atendidas as condições legais, de sorte que o exercício do direito por parte de um trabalhador após o término dos prazos previstos nas resoluções não afeta de forma alguma os recursos necessários à concessão de outros benefícios.

E com tais fundamentos, julgou-se a ação procedente, reconhecendo a ilegalidade dos prazos fixados nos artigos 14, da Resolução CODEFAT n.º 467/05, e 7º, da Resolução CODEFAT n.º 306/02, e determinando à União, em todo o território nacional, que se abstenha de indeferir pedidos de seguro-desemprego com base na intempestividade do requerimento.


Na apelação, a União contesta a decisão primeva, sobretudo, no tocante ao efeito erga omnis atribuído à decisão, o qual foi julgado improcedente, mantendo-se o a decisão primária, cuja ementa segue abaixo:


ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. SEGURO-DESEMPREGO. REQUERIMENTO DO BENEFÍCIO. PRAZO. LEI 7.998/90. AUSÊNCIA DE PRAZO MÁXIMO. ART. 14 DA RESOLUÇÃO Nº 467/2005-CODEFAT. ILEGALIDADE. ABRANGÊNCIA NACIONAL. POSSIBILIDADE. 1. A Lei n.º 7.998/1990, que regula a concessão de benefício de seguro-desemprego, não estabelece prazo máximo para a formulação de pedido administrativo, dispondo apenas que o requerimento deve ser pleiteado a partir do sétimo dia da rescisão do contrato de trabalho (art. 6º), sem, no entanto, fixar prazo final para o requerimento. Logo, ao impor que o requerimento deve ser protocolizado até o 120º (centésimo vigésimo) dia subsequente à data de demissão, o art. 14 da Resolução nº 467/2005-CODEFAT cria uma limitação ao exercício do direito, sem amparo legal, inovando restritivamente o ordenamento jurídico. 2. É possível atribuir efeito erga omnes em âmbito nacional à decisão proferida em Ação Civil Pública que visa tutelar direitos individuais homogêneos, como na presente hipótese. Precedentes do STJ. 3. Sentença mantida[3].

Contudo, em que pese o Judiciário ter reconhecido a ilegalidade contida no art. 14 da Resolução n. 467, administrativamente, o prazo de 120 dias para requerimento do Seguro-Desemprego ainda continua sendo aplicado nas agências dos órgãos credenciados no Ministério do Trabalho e Emprego (SRTE - Superintendências Regionais do Trabalho e Emprego, SINE – Sistema Nacional de Emprego e outros), onde é feito o requerimento.


Sendo assim, o trabalhador que se encontrar nesta situação, poderá recorrer à Justiça, caso seja negado seu direito ao recebimento do benefício.




[1] PESSANHA JR. Ronaldo. O impacto do seguro desemprego sobre o mercado de trabalho, p. 17, disponível em: http://www.econ.puc-rio.br/uploads/adm/trabalhos/files/Ronaldo_Pessanha_Junior.pdf


[2] http://www.senado.gov.br/noticias/Especiais/campanha/segurodesemprego.htm


[3] TRF-4 – Apelação n 5009237-73.2014.404.7100/RS, Quarta Turma, Relator Des. Eduardo Vandré O. L. Garcia, Julgado em 19/04/2017.

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